Quando marcas históricas se atualizam

No passado mês tive a oportunidade de trabalhar no redesign de uma marca. Poderia ser apenas mais um trabalho deste tipo, que gosto muito de fazer, mas sendo a marca que é, tornou-se diferente. Não é uma grande marca, não é uma marca conhecida, não é uma marca de uma grande empresa… Então o porquê de ser um trabalho de branding diferente?

É de uma marca histórica! Não histórica globalmente, mas na sua cidade, no seu tipo de comércio – o tradicional, na cidade de Santarém.

Antes de falar deste trabalho específico, inicio por dar a minha opinião acerca da importância e da satisfação que me dá quando marcas como esta se procuram atualizar. Não é preciso alterar conceitos, valores, história. Pelo contrário, esses são elementos primordiais para a evolução de uma marca com bastantes décadas “em cima”.

IMG_1594Ao andarmos por uma zona de comércio tradicional de qualquer uma das nossas cidades, vimos ainda muitas (embora gostássemos que fossem ainda mais, eu pelo menos gostava) lojas familiares, com tradição local e que vão mantendo as portas abertas para um público e clientela fiel e quase geracional, uma clientela hereditária de avós para pais e de pais para filhos. Muitas destas lojas com mobiliário e decoração que lembram outros tempos de grande movimento comercial nestas artérias e zonas de comércio tradicional, umas com alguns e outras com muitos detalhes que deliciam os que como eu gostam deste tipo de ambiente “vintage” ou do tempo dos nossos pais e avós.

A maioria dessas lojas não transparece uma identidade nem faz com que um simples transeunte as identifique no meio de muitas outras, como acontece por exemplo quando estamos num centro comercial e somos bombardeados por marcas, painéis luminosos e facilmente sabemos identificar as lojas e as suas marcas.

Ora bem estas primeiras lojas que falo, as dos centros de comércio tradicional têm uma grande importância no passado e, felizmente, algumas ainda no presente do comércio local. Não tenho maior alegria que ver uma dessas lojas/marcas querer acompanhar a mudança dos tempos e renovar a sua identidade visual, a sua marca. Mais uma vez friso que não é mudar a sua visão ou conceito, é pegar nisso e na sua história e modernizar. Não se vê muito isto acontecer, principalmente nas cidades mais pequenas, embora agora se veja mais pois está na moda ir buscar as tendências gourmet e vintage, e estes espaços e lojas/empresas são um bom começo, daí que já surjam mais que despertam para a necessidade de modernização.

Na minha cidade (que para quem não sabe é Santarém), não vejo muito isso, mas felizmente ainda vou vendo alguns espaços abrirem no centro histórico, com conceitos de comércio tradicional, embora sejam mais os que vejo fechar, mas isso daria conversa para outra publicação (fico a pensar nisso).

No mês passado aproximadamente, tive o prazer de iniciar um trabalho de branding de uma loja desta cidade, com um conceito familiar, de proximidade com o cliente e de comércio tradicional muito acentuados, que já está de portas abertas no centro histórico desde 1962. Não é uma loja que seja conhecida pelo seu nome, mas por ser o que é e pela presença que tem na cidade. Se falar a muita gente que diariamente passa em frente desta se sabe o nome da loja, ninguém ou poucos saberão, mas, ciente dessa realidade e porque é preciso abranger mais público e potenciais clientes que os que já estão fidelizados e que são assíduos, decidiu criar uma identidade visual associada ao seu conceito, história, missão e tradição.

Falo da Camisaria Safari, uma pequena loja situada numa das principais artérias comerciais da cidade, ainda hoje e certamente a principal à muitos anos atrás, a Rua Capelo Ivens, para quem conhece a cidade é também conhecida como Rua da Bijou devido àm famosa pastelaria com esse nome que se encontra numa das suas extremidades. É a rua que vem do “Largo do Seminário” (Praça Sá da Bandeira) e que cruza a “Rua dos Correios” (Rua Dr. Teixeira Guedes) no ponto mais lato da cidade, onde “apanha” também a rua do então famoso Café Central (Rua Guilherme Azevedo) e vai terminar no cruzamento onde a Rua João Afonso se liga à Primeiro de Dezembro. Pois bem, no 94 desta Capelo Ivens, desde 1962 temos a Camisaria Safari. Hoje, muitos dos mais novos nem sabem o que é uma camisaria, eu próprio já conhecia o termo e a loja e não sabia que era esta a sua designação. Não se trata de uma loja que vende camisas, também o é, mas é mais que isso, é uma loja que vende variados acessórios de moda Senhora, Homem e Criança.

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Hoje, a Camisaria Safari, essa loja histórica na cidade de Santarém tem uma imagem moderna, assente nos seus valores e história com mais de 50 anos. A gerência não teve receio da mudança, abraçou essa mudança, sem perder, eu arrisco a dizer até que ganhando mais, história, modernizando o seu conceito em parte e melhorando a sua identidade, essa identidade que já tinha, mas que apenas decidiu mostrar numa forma gráfica. Escolheu-me para fazer esse serviço e eu não poderia ter ficado mais satisfeito. Dediquei a atenção e o carinho que sempre coloco nos meus projetos de forma a conseguir ir ao encontro do que era pretendido. Fui ajudando o cliente a perceber o caminho a seguir e a definir esse caminho, pois um serviço de branding, de identidade visual de uma marca, é mais, muito mais, que o desenhar da marca. É uma envolvente histórica, contextual, uma análise ao passado e presente da marca e um perceber do futuro pretendido, entre outras coisas. O desenhar é a fase final e mais visível de todo este processo.

Para mim esta é uma marca histórica, os da minha geração, na minha cidade, e as gerações mais novas, nada sabem sobre a Camisaria Safari e muitas outras lojas do comércio tradicional sclabitano, mas os nossos pais e avós certamente sabem se lhes falarmos nelas. O objetivo agora, com a identidade visual associada é criar valor e chegar também a esta público mais jovem, para escrever com ele mais 50 anos de história.

pizza_hut_logo_detailSe virmos numa escala mais global. muitas são as marcas históricas que se atualizam. Recentemente temos o exemplo da Pizza Hut, que refinou a sua identidade visual em função da evolução da sua história, sempre pensando e cultivando os seus valores. Mas outros exemplos existem, lembro rapidamente da Shell, Canon, a própria Google, que mais recente não deixa de ser já uma marca com história, entre muitas outras.

A minha felicidade é que marcas mais pequenas como esta que tive o prazer de trabalhar despertem para esta necessidade de se atualizarem visualmente e não só. Creio que é um dos principais e possíveis caminhos para continuarem a fazer história nos seus mercados e a manterem os seus negócios ativos no presente e no futuro.

Hoje em dia o consumidor está a fartar-se das grandes superfícies, procura o atendimento de proximidade, personalizado, a qualidade, a identidade nos produtos, o tradicional, o nacional, o gourmet, entre outros conceitos que este tipo de marcas históricas nos comércios tradicionais lhes podem dar. Para o consumidor chegar a essas lojas é preciso que estas se façam ver e se dêem a conhecer. Acredito que a evolução da identidade visual e, depois a correta aplicação dessa numa estratégia de comunicação é o caminho, ou um facilitador desse caminho.

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